quarta-feira, 11 de setembro de 2013

(CRÔNICA) Relato sobre uma velha máquina de costuras

Por Washington Bonifácio
washington23.silva@hotmail.com

A velha máquina ainda é usada para fazer tapetes (Foto: Washington Bonifácio)


Era agosto de 1920. O Brasil presidido por Arthur Bernardes. Tempos em que o progresso chegava à região em lombos de animais, a passos de tartaruga. A moeda quase não circulava e a forma mais conhecida de comercialização era a barganha. Nos mercados se trocava quase tudo.

A Singer, ano de 1920, foi comprada em
Peçanha  (Foto: Washington Bonifácio)
O povo vivia feliz, mas tinha uma coisa que entristecia: a morte por causa de uma febre desconhecida que fazia cair os cabelos e a expectativa de vida. Entre as dificuldades enfrentadas estavam o acesso à saúde, ao transporte e ao vestuário. Fazer roupas, então, era um desafio! Usava-se comprar o tecido e mandar confeccionar as peças que geralmente tinham os mesmos formatos.

No canto da mesa coberta por retalhos, a máquina da bisavó. As engrenagens rudimentares, feitas à base de ferro, não se desgastaram com o tempo. A velha máquina tocada à mão parece não ter se cansado do batente e ainda costura como se tivesse poucas horas de uso.

A Singer, ano 1920, foi comprada na cidade de Peçanha pelo meu bisavô. Nas camisas ainda faltavam bolsos. Sem poder terminar, minha bisavó teve que vender a vaca Maiada para pagar a máquina. Isso resolveria de vez os seus problemas com as costuras, já que ela pegava encomendas de fora para complementar a renda.

Almira, aos 85 anos, não costura com tanta
frequência (Foto: Washington Bonifácio)
A relíquia ficou de herança para a minha avó. Às vezes penso quantas camisas, bermudas e calças, já vi serem feitas pela máquina. O cuidado com ela é tão grande que mesmo adultos, não podemos nem tocar. Não se fabrica mais peças para esse modelo. Para evitar que ela se quebre, a “vó” faz somente tapetes.

Aos oitenta e cinco anos, Almira já não costura mais com frequência. Hoje ela prefere o crochê, diz que desenvolve a mente, mas, vez ou outra, pega a velha máquina e relembra os tempos em que trabalhava durante o dia e só sobrava a noite para fazer os bicos.

Os tempos de escassez se passaram e junto foi a juventude. A pele do rosto já não é tão rígida como antes. A saúde melhorou um pouco. O transporte ganhou motor. Tudo mudou. Somente a velha máquina de costuras continua ali, em cima da mesa, entre os retalhos. 

 

3 comentários:

  1. Bela narrativa, Washington! Lembro-me do surgimento desse texto e dos ajustes. O resultado final ficou bastante atrativo. Parabéns!

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  2. Parabéns pelo texto, entre meados de 1920 a 1950, acredito ter sido uma das melhores décadas, em curta memoria, me lembro dos autores, poetas que viveram pouca idade, por conta de doenças que existiam aquela época. Pessoas vivendo em media idade 30/35 anos. Anos dourados de poesia e de grandes poetas.Parabens !!! em tempo naquela epoca tecido era fazenda.

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  3. Lembrei de mim. Um eu criança fingindo que a máquina da vó era carro de verdade! :') Emociono sempre que leio. Washington arrasou!

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