sábado, 7 de setembro de 2013

(CRÔNICA) João e os acionistas da desigualdade

Por Vanessa Fófano
vanessafoffano@gmail.com

João do alto dos seus 52 anos pega o jornal pela manhã. Entre uma página e outra se depara com a editoria de economia. Os gráficos, as setas, índices disso e daquilo se misturam em informações que precisariam de um tradutor para ser entendidas. Desiste logo nas primeiras linhas e parte para o trabalho.

Para no caminho e abastece o carro; gasolina cara e só aumentando. Esbraveja e amaldiçoa meio mundo, mas continua seu caminho. No trabalho, como segurança de uma galeria ouve comentários sobre a alta do dólar e fica pensando que raios a alta do dólar tem a ver com o Brasil. Povo desocupado, pensa, já tem tantos problemas por aqui para ficar se preocupando com o dinheiro dos outros.

No meio da tarde João é avisado de uma reunião com o chefe. Animado ele pensa em tudo que poderá fazer com seu aumento. Sim, deve ser disso que o chefe irá tratar afinal de contas foi esse o combinado, os salários dos seguranças deveriam ser reajustados ainda naquele mês. Viajar, comprar aquele vídeo game que o filho está pedindo há meses e quem sabe até uma pequena reforma na casa.

Todo trabalhador tem lá seus desejos, ambições e planos. Precisa atender a emergências e o tempo (leia-se dinheiro) para sonhar é pouco. Depois de tantos anos de trabalho e com uma bela de uma lordose na coluna João conta os anos para se aposentar, mas pensa também que já é hora de fazer um plano de saúde. Saúde nunca pôde ser prioridade e seu médico há anos é o farmacêutico da esquina de casa.

Hora da reunião. João se encaminha para o encontro com o chefe junto a seus colegas de trabalho. A expectativa é grande, mas as notícias nem tanto. “Não será possível o aumento nos próximos meses. Tivemos muitos gastos recentemente. Então sejamos cautelosos, vamos esperar que as coisas melhorem daqui pra frente”.

Pronto! Lá se foram os planos de João. O melhor é se controlar para que a gastrite não o ataque. Com a decepção estampada no rosto recolhe sua frustração e volta ao trabalho. As horas se arrastam. Quando finalmente o expediente se encerra João não espera um minuto a mais e vai embora.


Uma parada na padaria para comprar um pãozinho quente, e acaba lembrando que não bateu o ponto de saída no trabalho. Maravilha! Justificativa à vista! O que vou escrever? Pensa João... “Fiquei puto com o meu chefe e esqueci a porcaria do ponto” Não, não seria uma boa. Pede os pães à balconista e se assusta com a etiqueta do preço. “Que preço é esse minha filha! Isso aqui é pão!” e a balconista responde prontamente. “Não meu senhor, isso aí é a alta do dólar!”.


2 comentários:

  1. Adorei a sensibilidade para o cotidiano fechando com uma pitada de bom humor, Vanessa! Parabéns! Adoro suas crônicas.

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