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Sexta-feira, 6h. Ela
acordava, por obrigação, é claro. Com os olhos ainda pregados desligava o despertador
e sabia que teria que criar coragem para levantar da cama, para vencer o dia ou
o dia vencê-la. Calçava o chinelo, ia ao modo zumbi pra cozinha. Uma, duas,
três colheres de pó de café na cafeteira. Já sabe até de cor, ou melhor, de
olhos fechados a medida da água, receita da tia, do interior de Minas Gerais.
Liga na tomada o eletrodoméstico, aperta o botão vermelho. Caminha para o
banheiro, logo no cômodo ao lado. Tudo na maior preguiça, mas com o tempo
contado, porque preferiu dormir mais 10 minutos. Costume da irmã, ou talvez de
brasileiro mesmo.
Tira o pijama de flanela, sente na pele um arrepio do
vento frio batendo no corpo quente de quem ficou enrolada no edredom a
madrugada inteira. Inverno mineiro é assim mesmo, madrugadas frias, tardes
quentes. Corre para o banho como ela mesma diz “pelandiquenti” e o toma rápido,
pois o pai a ensinou assim e o cheiro de café já invade as narinas, a condução
passa daqui a pouco e mineiro não perde o trem. Foi assim que a ensinaram, na
escola, na rua, na vida em Minas. Minutos depois põe o cardigã porque senão
pega resfriado, ajeita o vestido e os óculos no rosto. Agora sim ela enxerga o
mundo, sem os cinco graus de miopia, a herança dos pais. Passa ligeiramente a
mão na bolsa e com a outra mão bebe uma caneca de café, bem quente, forte e
quase sem açúcar, do jeito que só Minas Gerais sabe oferecer. Em meio à busca
pelas chaves, come um pão de queijo.
Fica na estação, todos em pé, por obrigação, é claro, ou
descaso do governo. Todos com os celulares nas mãos, tentando se isolar do
mundo em volta e se aproximar dos contatos que estão há mil quilômetros de
distância, por mania da nova geração, é óbvio. Ela repete a ação dos demais,
por consequência, obrigação fantasiada de entretenimento. Quando o veículo
aponta, alguém pelas escadas correndo grita ofegante para outra pessoa que
aponta logo atrás: “correquioônsinvem!”. Ela entende a frase, provavelmente
todos ali também, e no fundo do coração sente orgulho disso.
No metrô, um rapaz escuta música sem fone de ouvido. “Se
é que isso é música!”, esbraveja mentalmente. Vê uma moça grávida em pé, mas
ninguém levanta. Segundos depois cede o lugar questionando a má educação do
povo. Chega ao trabalho e comenta para o colega ao lado o episódio fatídico que
viu logo de manhã. Reclama em suas próprias palavras sobre “a falta de cultura
absurda dessa cidade”, e o colega se questiona até onde “esse povo” é capaz 18h. Volta pra casa, repete o processo do ônibus. Novamente
alguém escuta música sem fone de ouvido. Chega à rua de casa,
vê crianças brincando de futebol, com chinelos simulando as traves dos gols. Brincadeira
que acontece seja no interior ou na capital, mas só em Minas Gerais, imagina.
Abre a porta de casa, senta no sofá, liga a televisão e ali passa mais um
daqueles noticiários. Dessa vez, a repórter mostra a situação de um museu
importante na cidade após a ação de vândalos e ela, cansada e indignada com a
“falta de cultura”, adormece acreditando, assim como diversos brasileiros,
amigos, desconhecidos e até essa pessoa que está do seu lado, que cultura se
resume a boa educação e gosto pessoal. Cansada, ela adormece ignorando o café,
o inverno, a comida, o vocabulário, a mania de dormir mais 10 minutos e até o
futebol de rua que Minas Gerais culturalmente sabe oferecer.
Adorei;rico,simples,da pra ver a personagem passeando pela sena,fantástico,adorei.
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